No CCJF, sessão especial de Perigosas Damas emociona convidadas da ONG Elas Existem e Sindicato das Trabalhadoras Domésticas
Em meados do século XX, quando se deu início ao sistema prisional feminino brasileiro, mulheres, acusadas de atos que eram considerados crimes na época, como o lesbianismo, a extroversão, a inteligência ou a prática de cartomancia ou prostituição, eram encarceradas em conventos, manicômios e prisões. Esse período obscuro da história da humanidade ainda ressoa até hoje, no silenciamento e aprisionamento de milhares de mulheres, dentro e fora dos presídios, com as enormes distorções a respeito da equidade de gênero. Essa luta atual e urgente é a bandeira levantada na peça Perigosas Damas, que exalta a liberdade ao resgatar histórias de mulheres que viveram no século passado e foram presas, vítimas de violência, injustiça e preconceito. Baseado no livro Histórias de um silêncio eloquente, de Thaís Dumêt, a atriz Geovana Pires reveza interpretações de vivências reais com versões em rap de poemas de Elisa Lucinda que abrem portas para a reflexão sobre a igualdade entre os sexos.
No último dia 9, o Teatro do Centro Cultural Justiça Federal (CCJF) foi palco dessa necessária discussão. A sessão especial de Perigosas Damas contou com a presença de egressas do sistema penitenciário que fazem parte da ONG Elas Existem, além de representantes do Sindicato das Trabalhadoras Domésticas, de alunas do CIEE (Centro de Integração Empresa Escola), da procuradora do Ministério Público do Trabalho do Rio de Janeiro (MPT-RJ), Dra. Elisiane Santos, e do curador e assessor institucional do CCJF, Evandro Salles. No final do espetáculo, aplaudido de pé pelo público, o grupo de mulheres trans, cisgênero e travestis do Elas Existem, se juntou a Geovana no palco para declamar poemas feitos por elas mesmas. Dentre os temas declamados, ouviu-se sobre amor, ilusão, liberdade, perda e união. A cada apresentação, aquela que havia acabado de falar, sentava no chão do palco e cedia o holofote para a próxima. Um sentimento de empoderamento e pertencimento tomou conta da plateia, repleta de mulheres.
Logo após, a Dra. Elisiane, do MPT-RJ, lembrou datas importantes como 8 de dezembro, Dia Nacional da Justiça e dia 10 de dezembro, Dia Internacional dos Direitos Humanos, e reforçou o apagamento da história de luta e resistência das mulheres, principalmente negras, incentivando a garantia dos direitos delas. “Muitas pessoas deram suas vidas para que conseguíssemos alcançar direitos que estão hoje na lei e que já mudaram tanto em relação àquele início de século. Mas ainda há situações de aprisionamento de mulheres que estão atualmente encarceradas, dentro e fora da prisão, que continuam acontecendo a todo tempo”, pontua. Ela explica que o MPT existe para defender os direitos da sociedade, dos trabalhadores e trabalhadoras, para lutar pela garantia de trabalho digno e pelo combate à violência e todas as formas de violação do trabalho. “Nós recebemos denúncias através do site e estamos juntas aqui nesse projeto muito emocionadas e felizes por ter acontecido essa ação hoje”, completa.
Evandro Salles, do CCJF, agradeceu a presença do público e resumiu as ações realizadas pelo Centro Cultural em prol da causa, incentivada na gestão da Dra. Simone Schreiber, atual diretora-geral. “Nós estruturamos um programa voltado para o universo de pessoas em situação de encarceramento, principalmente para as mulheres, iniciado com uma exposição de uma grande fotógrafa, a Nana Moraes, que fez um trabalho intenso em um presídio feminino. A partir daí, nós, como órgão da Justiça, passamos a desenvolver um programa de arte e cultura voltado para isso. Desenvolvemos um trabalho em vários planos, desde levar cinema para dentro do presídio com parcerias com instituições como UFRJ e professores de dança, trabalhando com projetos de movimentação do corpo, até a doação de mais de 400 livros de arte para a biblioteca do presídio Talavera Bruce. Temos também outra ação de trazer essas pessoas privadas de liberdade para assistirem peças e filmes aqui dentro”, comentou. Para ele, é absolutamente importante que o universo da arte e da cultura seja democratizado, até que chegue a todas as pessoas. “A arte é um instrumento de libertação, de transformação, de conscientização. Vivemos em um mundo em que todas as coisas e pessoas são transformadas em mercadoria, em objetos, e a arte é o instrumento para mudar essa situação”, concluiu.