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Notícia

Museus e centros culturais: como transformá-los em espaços ativos de incentivo à sustentabilidade e à regeneração

Publicado em:
15/05/2025
Imagem de uma palestra sobre “Museus Regenerativos” em um auditório. Uma mulher com cabelo cacheado, usando blusa vermelha estampada, está sentada à mesa com um microfone, notebook e xícara. Atrás dela, um slide apresenta conceitos como “O Todo”, “Essência” e “Reciprocidade”. Na frente da mesa, há um cartaz do evento “23ª Semana Nacional de Museus” com a frase “Construindo futuros sustentáveis com comunidades em rápida transformação”.

No âmbito da 23ª Semana Nacional dos Museus, que acontece entre os dias 12 e 18 de maio, o Centro Cultural Justiça Federal (CCJF) recebeu a palestra "O futuro dos museus em comunidades em rápida transformação”, tema central da Semana Nacional deste ano. A iniciativa, coordenada pelo Instituto Nacional de Museus (Ibram), acontece anualmente em comemoração ao Dia Internacional dos Museus (18 de maio). No Teatro do CCJF, no último dia 15, ouvidos e olhos atentos de profissionais que trabalham em museus e centros culturais se voltaram à uma verdadeira aula de Lucimara Letelier, diretora da Regenera Museu e especialista em sustentabilidade e desenvolvimento sustentável em museus e cultura, sobre ações regenerativas, situação climática e práticas sustentáveis para adaptação e resiliência frente a crise sócio-climática.

Pouco antes, Cícero Almeida, diretor do Museu Histórico Nacional (MHN) abriu o evento destacando a urgência da agenda sobre sustentabilidade, citando, inclusive, a realização da Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas de 2025 (COP30) no Pará, em novembro, e como instituições culturais podem contribuir para mitigar os problemas causados pelo modelo de desenvolvimento vivenciado pela sociedade há séculos e que hoje evidencia, de forma clara, sérias consequências como calor extremo, catástrofes ambientais, precarização das relações de trabalho, poluição e perda da biodiversidade. “É um assunto que temos dificuldade de enxergar no dia a dia: como se discute os problemas causados pelo modelo inadequado de desenvolvimento, de interferência na nossa ‘Mãe Terra’, nossa ‘Gaia’. Como ela sobrevive a tantas agressões e como cada um de nós se comporta diante disso. Como os museus e instituições culturais se inserem nesse contexto e se preocupam? Porque não há mais dúvida de que esse cenário necessita de um engajamento completo, de consciência e atuação”, pontuou Almeida.

Ao dar boas-vindas ao público, em nome do diretor-geral Theophilo Miguel, Ricardo Horta, diretor-executivo do CCJF, agradeceu a presença de todos e ressaltou o papel fundamental de museus e centros culturais na missão de reversão dos problemas ambientais. “A leitura que temos do que está acontecendo na sociedade pode ser captada por meio dos museus e centros culturais como um espelho do pensamento da comunidade. É importante para que a gente fortaleça nossa esperança”, disse ao comentar que não há esperança em um planeta melhor sem ação e esforço de todos.

Lucimara, que há anos estuda o conceito de práticas sustentáveis e de regeneração dentro dos museus, concorda com o diretor do MHN a respeito da negligência global do ser humano com a natureza nas últimas décadas, sendo o modelo de desenvolvimento capitalista, o agronegócio, o modelo de consumo e a falta de educação causas desse mal. “O que está fazendo essa agenda ter importância agora é que estamos sofrendo com eventos climáticos severos, como aconteceu no Rio Grande do Sul. Eu combino o olhar da administração cultural com o olhar da museologia, mas nos últimos anos tenho trazido esse olhar do desenvolvimento sustentável com a minha prática”, explica ao acrescentar que vê essa iniciativa como sendo “intraempreendedora”, em que cada profissional de museu é um “intraempreendedor”. “É uma possibilidade de vocês pensarem como isso pode ser co-criado”, diz.

Segundo ela, ao redor do mundo, algumas ações estão sendo feitas dentro de instituições culturais para renovar a consciência ambiental nas atuais gerações. Uma delas são as ecovilas, comunidades autossuficientes que buscam integrar um ambiente social harmônico com um estilo de vida de baixo impacto ecológico. Porque não, por exemplo, um museu implantar uma horta alimentar no seu jardim e usá-la como exemplo para trazer a consciência de comida saudável e autônoma à tona? “Não é um passeio na natureza, é conhecer como aprender a trazer a natureza para todas as áreas”, ressalta Lucimara.

De acordo com a especialista, é preciso atrair o profissional que está dentro do museu para dentro da prática museal. “Existem quatro frentes importantes que temos que olhar quando falamos sobre o que podemos fazer enquanto museu: conscientização pública, mitigação das crises climáticas, adaptação das comunidades e regeneração. Com isso, os museus podem ajudar a sociedade em rápida transformação a se adaptar à crise que estamos vivendo”, aponta. Mas o que vem a ser regeneração? Lucimara explica que, após a sociedade passar muitos anos na cultura extrativista, de progresso capitalista e consumo, começou a implantar, progressivamente, um modelo de desenvolvimento baseado no paradigma da sustentabilidade, com ideias de reuso e reciclagem. O intuito era reparar os danos causados pelo desequilíbrio entre o desenvolvimento econômico, a preservação do meio ambiente e a justiça social. Contudo, isso seria algo factível há 50 anos. Hoje, segundo ela, a questão é mais urgente, a necessidade é regenerar. Ou seja, restaurar territórios e reparar fontes de conhecimento que irão ajudar a população a regenerar valores e, consequentemente, o local onde mora. “Estamos falando de regenerar valores culturais. Precisamos construir valor para a sociedade, alinhado aos sistemas vivos. Regeneração é trazer vidas de volta para os sistemas, seja para os museus, seja para o território, seja para a sociedade; restaurar as condições propícias à vida. Entender que estamos criando condições contraproducentes da vida humana e não humana”, salienta.

Os museus, por exemplo, têm o potencial de formar grandes regeneradores, pessoas que acreditam que podem melhorar os seus territórios, servindo como pontes para que essa conscientização aconteça. “Estamos falando da existência de mais ou menos 100 mil museus no mundo, cerca de 2 milhões de pessoas passam por eles. Então, acreditamos que é possível, sim, gerar uma mudança se nos comprometemos com isso”, destaca a especialista. Ela completa: “As gerações atuais talvez não tenham tido o mesmo contato com a natureza do que as gerações anteriores. Então, temos a oportunidade de reconectar as pessoas a outras realidades a não ser através desses dogmas da modernidade, como o consumo, a moda rápida, entre outros”, conclui.