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Notícia

Da invisibilidade para a felicidade: o que os artistas LGBTQIAPN+ têm a dizer

Publicado em:
03/06/2025
A imagem mostra um painel com seis pessoas sentadas em cadeiras no palco de um teatro, com cortinas pretas ao fundo. Três homens e uma mulher ao centro conversam animadamente, um deles segurando um microfone. Nas extremidades, dois homens observam. Há copos sobre mesas pequenas e uma pessoa do público tira uma foto na frente do palco.
Da esquerda para a direita, Matheus Vieira, Jesus Borges, Camila Doudement, Klever Schneider, Celso André e Daniel da Silva, no palco do Teatro do CCJF

No mês do Orgulho LGBTQIAPN+, o Centro Cultural Justiça Federal (CCJF), abriu a programação do II Festival Identidade em Cena, com o debate Diversidade no Audiovisual e no Teatro, que se debruçou na pauta da diversidade no campo do audiovisual e do teatro. No último dia 3, o Teatro do CCJF foi palco de importantes discussões entre artistas, produtores e público sobre os desafios, conquistas e caminhos possíveis para a construção de uma cena cultural mais plural, representativa e democrática. A reflexão foi centrada em uma provocação inicial de Camila Doudement, coordenadora do Centro de Cidadania LGBTI+ Capital 1, do Programa Estadual Rio Sem LGBTIfobia: quais outros marcadores, além do marcador da violência — ainda tão presente mas não o único —, há na construção da identidade de uma pessoa LGBTQIAPN+?

Para Jesus Borges, ator,  produtor e cineasta, quando se fala da classe gay, a primeira coisa que vem à mente é a marginalização, o quanto são sucumbidos e atravessados por essa violência, são agressões diversas, tanto verbais como físicas. Contudo, segundo ele, a história desta comunidade não se resume apenas a esse triste cenário. É sobre defender uma amplitude de pensamento, contra um estereótipo que pode (e deve), ser reverberado nas artes. “É preciso uma reflexão da importância de nós, pessoas dessa classe, contar as nossas histórias de uma forma feliz. Não somos só o que nos aconteceu e nos acontece até hoje. Como conseguimos trazer para o palco, para as telas…mostrar que somos só seres humanos, também sobrevivendo, nas nossas buscas, com os nossos sonhos…é sobre mudar esse marcador e nos colocar de um outro modo para a sociedade”, ressaltou ao explicar que a ideia não é apagar o histórico de violência sofrida pela comunidade LGBTQIAPN+ mas minimizá-lo, criando um novo histórico para o futuro.

Klever Schneider, ator, produtor e diretor, concorda com Borges e destaca a responsabilidade (e a complexidade) que possuem ao colocar a temática LGBT+ em cena. “Quando colocamos nosso corpo numa cena, não é só um corpo, mas tudo que está por trás. É muita responsabilidade, pois é um espaço que você está criando. Temos que aproveitar as oportunidades, apoiar a cena porque através da arte a gente consegue conectar as pessoas. Tocá-las para nossa causa, dizendo estamos aqui”, pontua Klever que, inclusive, estará em cartaz com o monólogo Cine Coração no festival.

Celso André, bacharel e mestre em Artes Cênicas, engrossa o coro: “É pela cultura que a gente se reconhece. Sejam em corpos LGBT que hoje são reconhecidos, mas que antes não eram reconhecidos, porém sempre ocupando espaços.” Ele ressalta que ocupar os espaços na arte, e consequentemente, na sociedade é desafiador desde a infância. Caso não se adapte aos moldes sociais, é invisibilizado e sofre preconceito. “A família é acolhedora desde que cumpra as regras dela, na escola idem. Se você é dissidente, então está em conflito nesses espaços...talvez por instinto de sobrevivência sejamos tão alegres e festivos e não tão comportados, porque precisamos sobreviver”, completa. Ao falar de seu processo de criação e vivência, Matheus Vieira, ator, jornalista e pesquisador das artes da cena, explica que se inspira na Teoria da Bolsa de Ficção, da autora americana Ursula Le Guin. Ela escreve que a bolsa é “o recipiente para a coisa recebida”, “uma invenção que nos torna humanos”. Baseado nesta alusão, Vieira reflete sobre a formação de identidade de pessoas LGBTQIAPN+ como um processo que se assemelha à acumulação de inúmeros objetos — esquecidos ou deixados de lado —, em uma bolsa. “Me entendi um coletor dentro desse eixo de pensamento da Úrsula. Eu e meu grupo estávamos dentro de uma bolsa, cheia de cacarecos, que não se acha nada e fomos ficando e se permitindo ficar ali. É um lugar aconchegante, lugar onde conseguimos nutrir dança, coreografia, pequenos delitos...vivemos aquilo”, lembra.

Ao pensar sobre as saídas para que a sociedade entenda, de forma mais efetiva, quem são aqueles que, de forma plural, constroem hoje a comunidade LGBTQIAPN+, Daniel da Silva, ator, diretor e dramaturgo, em cartaz com a peça A Sala Branca no CCJF, observa que existiu, sim, o tempo em que narrativas marcadas por violência foram necessárias no sentido de emocionar e conscientizar o público para a causa. Hoje, contudo, ele avalia que é tempo de repensar “tudo isso, sem esquecer que ainda somos o país que mais mata LGBT no mundo.” Ou seja, fazer arte de uma forma mais profunda, com nuances sobre a identidade LGBTQIAPN+, que não se esgota na violência. “Tenho tentado estar atento à temática, como está sendo contada essa história...tento encontrar dramaturgias que cheguem aos mais variados públicos para que consigamos dialogar”, diz.

O II Festival Identidade em Cena acontece durante todo o mês de junho. Dentro da programação, espetáculos teatrais, música, encontro literário, rodas de conversa e cinema.