Arte, democracia e luta contra o latifúndio: o MST aos olhos de Francisco Proner
“Lona Preta”, para o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), é mais do que uma barraca — morada de milhares de pessoas que lutam pela reforma agrária no país. Segundo eles, “é um rito de passagem, um símbolo presente na transição entre o acampamento e o assentamento das famílias sem-terra, o caminho para a conquista da terra. É o retrato da luta contra o latifúndio, a segregação e as injustiças sociais que castigam esse país”. Cercado de significados implícitos, o nome inspira a mostra do fotógrafo Francisco Proner que tem nas questões sociais e políticas ponto de maior interesse. Ele mescla a função social da arte, a democracia e a questão fundiária no Brasil nas fotos da exposição Lona Preta: o MST no olhar de Francisco Proner, que ocupa o Gabinete de Fotografia do CCJF, no 1º andar. Documentando os acampamentos do MST por todo o país, o artista espera despertar um maior entendimento sobre o objetivo dos movimentos sociais face às desigualdades do país e mostrar a verdadeira realidade deles, que vai além de falsas e negativas suposições. Abaixo, uma conversa com o fotógrafo sobre o processo criativo, as obras da mostra e a expectativa sobre a receptividade do público:
CCJF: Nos conte um pouco sobre o processo de criação das obras da exposição Lona Preta - o MST no olhar de Francisco Proner. Qual a relação do tema MST com o seu trabalho como fotojornalista?
Francisco Proner: O trabalho faz parte de um outro trabalho maior sobre América Latina, sobre vários movimentos latino americanos que eu fotografei nos últimos anos. Começou em 2021, e desde então está germinando, ainda não acabou, mas trata justamente de como várias populações tradicionais latino americanas, de cada país que eu visito, fazem para resistir a diversas desigualdades e opressões que sofrem. Sempre tento linkar os trabalhos com a forma de como a economia de cada país se desenvolve, além de entender como é necessária a resistência desses povos para que eles não sejam esmagados no meio dessa busca, e aí cito entre muitas aspas, de “progresso” e “desenvolvimento”.
No caso do Brasil, isso está muito claro, a nossa dependência da lógica extrativista e de produção agrária e como esse conflito permanece e acontece nos interiores do país. Meu objetivo na hora de documentar esse movimento é, primeiramente, estar perto dele, pois para mim é uma coisa muito inspiradora, que me traz uma visão de Brasil diferente daquela que estou acostumado, sendo uma pessoa da cidade, e, ao mesmo tempo, existe uma importância em divulgar e entender esses conflitos que acontecem hoje em dia justamente pela gravidade e incidência deles nos últimos anos. No ano passado, houve cerca de 60% de aumento da violência no campo em relação à última década, por exemplo. Acho importante falarmos disso.
CCJF: A divisão de terras no Brasil ainda é uma questão atual que cabe holofotes para que haja uma melhor distribuição agrária, tema da luta dos sem-terra. Mostrar essa realidade para a população urbana, sem preconceitos e falsas suposições, é um dos objetivos do seu trabalho?
FP: Existe um entendimento, principalmente da extrema direita do país, de que o MST é um movimento terrorista, criminoso, de vândalos. E depois de tanto tempo fotografando os assentamentos, eu concluo que esse tipo de entendimento não poderia estar mais longe da realidade. Porque são pessoas simples, que lutam pelos seus direitos. É uma produção muito mais saudável, cuidadosa, tanto na forma de produzir, quanto na forma de entregar. É um movimento que me inspira bastante.
CCJF: Em que período foram produzidas as fotos que estão expostas na mostra aqui no CCJF?
FP: Este projeto das fotografias impressas que estão expostas no CCJF começou em 2022, mas na verdade eu fotografo o MST desde 2017. Na projeção que passa no telão, localizada na sala dentro do Gabinete de Fotografia, há fotos inclusive mais antigas, de 2017 a 2020. É um resumo de várias viagens. Importante dizer que nada disso seria possível sem a generosidade das pessoas que eu fotografei. Digo que a gente não tira fotos sem autorização, dependemos da receptividade e hospitalidade das pessoas.
CCJF: Qual a expectativa da receptividade do público em relação a exposição Lona Preta?
FP: A ideia é ampliar a visibilidade do público com relação ao MST. E talvez desconstruir a visão de que essas pessoas são criminosos. Elas são pessoas normais, que vivem uma vida muito digna e honesta que apenas estão reivindicando seus direitos, sem querer atrapalhar ninguém.