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Notícia

Mistério desvendado na Sala de Sessões do CCJF

Publicado em:
09/12/2025
Foto em um grande salão histórico, com teto alto e ornamentado, lustres acesos, vitrais e cadeiras de madeira ao fundo. Um grupo de cerca de 14 pessoas, mulheres e homens adultos, está alinhado sobre um tapete vermelho, alguns segurando certificados. Eles posam sorrindo para a câmera, em clima de cerimônia ou premiação oficial.

Sabe a figura histórica apagada de uma das quatro pinturas-painéis que emolduram as paredes da Sala de Sessões do Centro Cultural Justiça Federal (CCJF)? Agora, sabe-se quem ela é. O mistério foi sanado na última terça-feira, dia 9 de dezembro, na cerimônia de sustentação oral e premiação do Prêmio Quis Ego Sum - Concurso Nacional de Pesquisa e Identificação de Personagem Histórico, realizado pelo CCJF, em parceria com a Caixa Econômica Federal (CEF). Baseado em registros históricos e edições dos jornais Correio da Manhã e Jornal do Brasil do início de abril de 1909, data da inauguração do prédio histórico que foi a sede do Supremo Tribunal Federal (STF) até 1960, todos os cinco finalistas do concurso, Bruno Amaro Lacerda, Douglas Liborio, Matheus Cadedo, Rachel Lima e Vanessa Melnixenco apontaram que o jurista Quinto Múcio Cévola (Quintus Mucius Scaevola) (140 a.C-82 a.C), conhecido como Pontífice da República romana e mentor de Marco Túlio Cícero, é o personagem que constava na pintura que não pôde ser restaurada.

Na justificativa da pesquisa, o vencedor do prêmio, Bruno Lacerda, professor de Filosofia do Direito da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), relacionou as frases em latim inscritas abaixo de cada figura histórica da Sala de Sessões — o imperador Justiniano, o cônsul Ápio Cláudio, o orador Marco Túlio Cícero, e, finalmente, o jurista Quinto Múcio Cévola — com justiça, legalidade, paz civil e não abuso do Direito, respectivamente. Ele também ressaltou, tanto na sustentação oral quanto na escrita, que os personagens históricos romanos integram um conjunto não apenas decorativo, mas que representa valores que devem nortear a atividade ética jurisdicional. “São, na verdade, símbolos essenciais ao ritual judiciário, como diz Antoine Garapon”, cita Lacerda em sua tese. “Fiquei muito feliz por vencer o Prêmio Quis Ego Sum, já que consegui apresentar uma proposta conjugando dois dos meus interesses de pesquisa: a iconografia da justiça e as fontes jurídicas latinas. Vejo o 1º lugar no certame como um coroamento da minha atuação como pesquisador”, conta o professor. Segundo ele, a iniciativa é merecedora de todos os elogios, pois valorizou os pesquisadores brasileiros, convocados para elucidar a identidade do personagem histórico perdido. “A prova disso é que todos os finalistas trouxeram contribuições relevantes e iluminaram aspectos diversos da questão, cada qual a partir da sua formação e dos seus interesses de pesquisa”, diz.

A 2ª colocada do Prêmio Quis Ego Sum foi Rachel Lima, já o 3º lugar ficou com Vanessa Melnixenco. Os ganhadores foram agraciados com um certificado e valores simbólicos de R$ 5.000 (1º lugar), R$ 2.000 (2º lugar) e R$ 1.000 (3º lugar). Quanto à importância de Quinto Múcio Cévola na história do direito, a maioria dos candidatos o descrevem como um importante jurisconsulto da República romana, responsável por compilar as Leis das XII Tábuas, fundamental para o Direito Civil romano. A presença de Cévola nas paredes da Sala de Sessões do CCJF, se justifica, provavelmente, por uma longa discussão em torno da codificação do Direito Civil brasileiro, entre os séculos XIX e XX. O período foi marcado por uma transição do liberalismo patrimonialista para uma visão mais social, refletindo a passagem do Império para a República, anos antes, em 1889. Na época da inauguração do edifício histórico, em 4 de abril de 1909, o projeto do Código Civil proposto por Clóvis Beviláqua havia sido posto em xeque no Senado Federal pelo jurista Rui Barbosa ao ser considerado um marco conservador, focado na propriedade e patriarcado, gerando inclusive críticas sobre a inadequação às mudanças sociais.

Mais sobre a premiação — Integraram a Banca Avaliadora do concurso: Bruno Vaz, advogado do quadro jurídico da Caixa Econômica Federal, representante da instituição patrocinadora; Cícero Antônio Fonseca de Almeida, museólogo e atual diretor do Museu Histórico Nacional; Izabela Fraga, arquiteta do CCJF; Marisa Assumpção, arquiteta especialista em restauração com atuação em Patrimônio Histórico e Matheus Campello, profissional do direito com experiência em iconografia e história da justiça. Após ouvir a sustentação oral dos finalistas, Dr. Theophilo Miguel Filho, diretor-geral do CCJF e desembargador federal, elogiou o trabalho aprofundado e de qualidade de todos eles e resumiu “a excepcional apresentação do tema” com a palavra interdisciplinaridade. “Essa questão não é uma questão jurídica, é uma questão de museologia, arquitetura, história, claro, com plano de fundo jurídico. Quero parabenizar efusivamente os excelentes candidatos pela pesquisa que analisa com profundidade todos esses aspectos interdisciplinares. O concurso está sendo tão bem sucedido que já estamos pensando no próximo…vamos querer descobrir quem danificou Múcio Cévola”, brinca o diretor-geral do CCJF, arrancando risos da plateia.

O Prêmio Quis Ego Sum foi criado com o intuito de incentivar a pesquisa histórica, a reflexão crítica e a valorização da memória e do patrimônio cultural vinculado à Justiça, além de valorizar a memória institucional por meio da preservação simbólica de elementos do passado e fomentar o pensamento crítico sobre a representação da Justiça e dos valores públicos em espaços de poder. “Que novos concursos como este sejam lançados:  o Prêmio Quis Ego Sum foi um momento extraordinário de valorização da memória e da cultura da Justiça de nosso país e, sobretudo, de conexão entre o Judiciário e a academia brasileira”, conclui Lacerda.