O lugar do escritor
CHIODETTO, Eder. O lugar do escritor. São Paulo: Cosac & Naify, 2002. 191 p.
“Você quer me fotografar no meu escritório? Aqui não tem escritório. Não escrevo mais. Além do que, estou barbado. O barbeiro só vai chegar às sete horas. Você é insistente, hein garoto! Tá bom, eu sento aqui nesta cadeira e você faz a foto”.
Esta ligeira impaciência de João Cabral de Melo Neto diante do fotógrafo sintetiza com espontaneidade questões que podem ser apreendidas a partir do livro O lugar do Escritor (Cosac &Naify, 2002) de autoria de Éder Chiodetto, que além de fotógrafo foi editor de fotografia da Folha de São Paulo e hoje é um dos curadores mais ativos do cenário fotográfico brasileiro contemporâneo.
Durante cinco anos ele fotografou e conversou com 36 escritores brasileiros em seus locais de trabalho, tentando traduzir em texto e imagem a atmosfera e a personalidade de cada um deles. O livro é uma pequena viagem a um território quase mítico, que é o local do escritor.
Com todas as imagens em preto e branco, o autor nos brinda com enquadramentos e iluminação inusitados que apontam não só traços dos escritores como, também, a densidade e o tom de suas obras. Luz e sombras acentuadas nos revelam um João Gilberto Noll sem território, que contrasta com o excesso de clareza e de espaço de Paulo Coelho.
Detalhes dos escritórios, das casas, do objeto-livro que ganha vida nas prateleiras, no chão, nas escrivaninhas ou sobre as camas ao serem fotografados por Chiodetto. Sensíveis e argutas, assim poderiam ser definidas as fotografias de grandes nomes da literatura brasileira como Adélia Prado, Ferreira Gullar, Ariano Suassuna, passando por Silviano Santiago, Ana Miranda, Cristóvão Tezza, João Ubaldo Ribeiro, Carlos Heitor Cony, Luís Fernando Veríssimo, entre outros.
Acompanhados das imagens, seguem os textos em forma de depoimentos, reportagem ou conversa que funcionam como um condutor para o nosso olhar e nos colocam em contato com um pouco da intimidade ou da atividade criativa dos escritores.
E, nesse caso, quando João Cabral diz que não tem escritório, que não escreve mais, sentimos quão importante é este lugar real, locação destes personagens, mas que é, ao mesmo tempo, um não lugar, uma abstração, um exílio voluntário.
E a espera do barbeiro, em como o retrato, por mais espontâneo que pareça, exige esta encenação, este desejo de estar bem para ser visto pelo outro. E,quando ele diz, “está bem, eu sento aqui nesta cadeira e você me fotografa”, percebemos como às vezes a situação de retratado e fotógrafo é estéril, recheada de mitos e lendas, que Éder, com certeza, com toda sua experiência fotográfica e sensibilidade humana, soube muito bem aproveitar, e o retrato passa a vir a ser um “encontro fugaz e glorioso”, como diz Arthur Omar.
Teresa Bastos
Professora da ECO/UFRJ