Pular para o conteúdo principal
VitralLogomarca VITRAL CULTURAL

Uma tarde inesquecível: visita ao CCJF emociona detentas do Instituto Penal Oscar Stevenson

Publicado em:
12/08/2024
A foto mostra um grupo de pessoas, a maioria mulheres, de costas. Elas usam blusa branca e calça jeans. No centro, mais ao fundo, um homem branco com camisa clara e calça escura tem um dos braços para o alto e o outro na altura do peito, como se tivesse demonstrando alguma explicação. Nas paredes beges, quadros com obras de arte. Ao fundo, do lado direito, uma grande porta de madeira.
As visitantes ouvem, atentas, a explicação de Vicente de Mello, artista da exposição Toda Noite, que ficou em cartaz no CCJF até julho

Um sopro de esperança em meio a tempos difíceis. Era por volta das 13h do dia 29 de julho, segunda-feira, quando um grupo selecionado de 10 detentas custodiadas do Instituto Penal Oscar Stevenson, localizado na cidade do Rio de Janeiro, chegou ao Centro Cultural Justiça Federal (CCJF) para uma tarde cheia de cultura e arte. Elas, acompanhadas pela equipe da Secretaria de Estado de Administração Penitenciária (SEAP), foram convidadas pela Direção do CCJF para conhecer o prédio histórico do Centro Cultural, localizado na Cinelândia. Durante a visita, tiveram a oportunidade de conhecer a história do lugar, a exposição Toda Noite, de Vicente de Mello, que ficou no local até o último dia 30 de julho, além de participar de uma edição especial, excepcionalmente fechada ao público, do evento Crime & Cinema, com curadoria de Simone Schreiber, desembargadora federal do TRF2, diretora-geral do CCJF e professora da UNIRIO e Thiago Bottino, advogado e professor de direito penal da FGV. O filme exibido foi o clássico brasileiro, Central do Brasil (1998, BRA, Walter Salles, 1h55min) que, a partir da relação dos personagens principais, Dora e o menino Josué, inspira a buscar uma perspectiva melhor, mais justa e acolhedora, dentro de cada um de nós, apesar das adversidades da vida. “Acredito que a visita das internas do Oscar Stevenson ao Centro Cultural representa a plena realização de nossos objetivos institucionais: promover os direitos humanos de todas as pessoas através de atividades culturais. Desejamos multiplicar cada vez mais tais iniciativas e somos muito gratos à SEAP pela parceria”, destaca Dra. Simone Schreiber.

Conhecimento, cuidado e inspiração em uma só tarde — Ao chegar ao Centro Cultural, em uma fila organizada, o grupo de mulheres aprendeu um pouco sobre a história do CCJF, apresentada pelo Setor Educativo. Deu tempo de reparar detalhes como a imensa porta de madeira esculpida no hall de entrada, os arabescos refinados das paredes e teto, e o grande vitral da deusa grega Temis, personificação da Justiça, que guarda a escadaria do CCJF. Após o lanche, as detentas foram recebidas pelo artista e fotógrafo Vicente de Mello, responsável pela mostra Toda Noite. Ele falou sobre sua inspiração durante o processo de criação das obras da exposição e a ideia de provocar interpretações variadas sobre cada imagem — a maioria com contrastes em preto e branco, como se fosse uma noite infinita e misteriosa. Ao final da explicação, ele presenteou cada uma com fotos delas mesmas, tiradas na hora por ele, com as obras da exposição ao fundo. 

A foto mostra um auditório com uma tela de cinema e um pequeno palco. Nele, três mulheres brancas estão sentadas, uma delas diz algo, com o microfone na mão. Na plateia, mulheres de blusa branca estão sentadas, assistindo. As poltronas são pretas. 

O grupo, no Teatro do CCJF, atento a fala de abertura da diretora-executiva, Daniela Pffeifer

Após esse momento de verdadeiro exercício de autoconfiança, as detentas seguiram para a exibição do filme, no Teatro do CCJF, com curta abertura de Daniela Pfeiffer, diretora executiva do CCJF. Ainda tiveram uma rápida conversa com a convidada Simone Nacif, juíza criminal da Comarca de Nova Friburgo (RJ), sobre o enredo do longa-metragem. Ela aconselhou o público feminino a prestar atenção na questão do abandono dos dois personagens principais e as consequências que a cidade grande pode trazer para a população. “O que a cidade fez com essas pessoas e o que a viagem para o interior conseguiu resgatar na vida delas? O importante é se atentar no efeito que a desumanização da cidade traz para pessoa e a construção da humanização por conta do retorno do ente para família ou por meio do afeto recíproco entre duas pessoas. É a história de como nós podemos superar o abandono com o afeto”, salienta Simone Nacif, antes da exibição. Ao final do encontro, ela e a Dra. Simone Schreiber ouviram as visitantes, emocionadas, sobre a visão delas sobre o filme, e reforçaram a importância da força de vontade para conseguir se redimir de más escolhas e reconstruir caminhos, incentivando as detentas a reescreverem suas histórias de vida. “Dora (Fernanda Montenegro) se revela como uma pessoa diferente a partir da convivência com o menino Josué (Vinícius de Oliveira). Ela consegue se redimir e se tornar uma pessoa melhor, muda sua maneira de ver o mundo. O filme mostra os desencontros da vida e os caminhos tortuosos que ela traz, porém é preciso sempre ter esperança de que esse caminho pode ser reconstruído. Que vocês tenham novas oportunidades na sociedade”, ressaltou a desembargadora. 

A visita terminou em um clima de gratidão e esperança. Algumas dessas mulheres privadas de liberdade, inclusive, nunca tinham saído da prisão, desde que foram detidas. “Foi a primeira oportunidade que tive de fazer um passeio, adorei. Vou chegar energizada para dentro do presídio, não devo conseguir nem dormir essa noite. Na hora que estávamos vindo, minha pressão subiu porque fiquei muito emocionada. Gosto de aprender, a cultura é ótima. Quero poder passar isso para a minha neta, saindo de lá, vou trazê-la aqui", prometeu M.A.C*, uma das detentas que participaram da tarde de imersão cultural. Outra visitante, D.S.F*, concorda e completa: “Para mim foi uma oportunidade única, até porque eu não sou da cidade do Rio de Janeiro, sou do interior. Então, talvez eu nunca tivesse essa oportunidade de conhecer um lugar tão maravilhoso, a arquitetura, a pintura, a história da fotografia e o filme…que vi de uma maneira diferente. Estar aqui é como se eu tivesse entrado em uma novela de época. Foi emocionante", destaca. Para ela, a experiência expande os conhecimentos. "As pessoas nos receberam com um olhar diferente, com muito carinho, com respeito. Vamos voltar revigorada para o sistema prisional. Estou muito grata”, concluiu. Para Dra. Simone Nacif, quando essas mulheres voltam para o convívio em sociedade, a responsabilidade de ressocialização não é exclusiva das exdetentas. Por isso, segundo a juíza, esses projetos são importantes. “São janelas de sol que se abrem. A arte realmente liberta, é uma liberdade não concreta de pensar, de sentir, de se sensibilizar e não nos perder da própria humanidade”, finaliza. 

*Para segurança das entrevistadas, divulgamos apenas as iniciais dos nomes.