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Quais fantasmas te assombram? Evento de psicanálise no CCJF questiona pensamentos que atormentam as mentes humanas 

Publicado em:
12/05/2025
Na imagem, a Sala de Sessões recebe o evento com plateia atenta. Três pessoas estão na mesa de frente, com notebooks e materiais impressos; uma delas fala enquanto outra mostra um objeto. Ao fundo, público variado observa a apresentação. Cadeiras de madeira, tapete vermelho e iluminação pendente compõem o ambiente sofisticado e histórico.

No último dia 3 de abril, a Sala de Sessões do Centro Cultural Justiça Federal (CCJF) se transformou em uma imponente sala de estudos para discutir um recorte da psicanálise que questiona profundamente as certezas, verdades e ideais em torno dos quais as vidas das pessoas se estruturam. Inspirada no poema “Não é preciso ser um quarto para ser assombrado”, de Emily Dickinson, a palestra gratuitaDisseminário: Desconstrução, Psicanálise e Literatura: estranhas familiaridades levantou importantes questões existenciais, imersas em incertezas, imprevisibilidades e sombras. Para Diogo Bogéa, escritor e professor de filosofia e psicanálise da UERJ que conduziu o evento, ninguém escapa de assombrações, no sentido mais amplo da palavra. Sejam elas memórias, frustrações, expectativas, arrependimentos, fantasmas do passado e do futuro que visitam, rondam e atormentam a raça humana há séculos. “Há os fantasmas dos muitos “e se...” que multiplicam possibilidades impossíveis. Há os fantasmas das muitas perdas que cada um de nós já experimentou. Freud diria que somos também assombrados pelos desejos e fantasias reprimidos que não cessam de retornar mais ou menos disfarçados, distorcidos, seja em sonhos ou na forma de terríveis sintomas que nos parecem inexplicáveis”, explica Bógea.

Para ele, a excêntrica Emily Dickinson — “uma verdadeira exploradora das sombras ou ‘espectróloga’” que passou 20 anos isolada em seu próprio quarto, vestida de branco e escrevendo poemas — teve muita sensibilidade para explorar essas regiões sombrias da existência humana. “Suas poesias são os registros desse estranho trabalho de campo entre as sombras e os fantasmas da existência”, ressalta. Um dos temas debatidos no evento foi a noção sobre espectralidade, elaborada por Jacques Derrida em sua conferênciaEspectros de Marx. A ideia defendida por Derrida era a possibilidade de “uma nova forma de pensar o político como uma atividade voltada para um horizonte de justiça", motivada, principalmente, pelas gerações passadas, presente e futuras. Segundo a tese do pensador, a pressão sobre os vivos tornaria impossível considerar um fechamento de conflito ou o fim da história do mundo. 

Para quem não é familiarizado com assuntos voltados à mente humana, a tese pode parecer confusa, mas Bogéa se utiliza da didática para facilitar esse entendimento. De acordo com ele, a importante obraEspectros de Marx serve de influência, por exemplo, para Hilan Bensusan, pensador brasileiro que tem falado em uma “virada espectral” no pensamento e para Fabián Romandini, pensador argentino que escreveu “A comunidade dos espectros”, em cinco volumes, uma das produções mais relevantes no campo da Filosofia Política Contemporânea. “A noção de espectralidade subverte os binarismos e as certezas longamente construídas e maniacamente defendidas pela tradição ocidental: o espectro não é nem morto nem vivo, nem presente nem ausente, pode vir do passado em função de um projeto futuro (e vice-versa), bagunçando todas as noções tradicionais de temporalidade. Um passado que nunca passa e um futuro que nunca chega são as marcas do espectral”, pontua. 

Por isso mesmo que, segundo Bogéa, o espectral possibilita uma nova forma de pensar o político — um campo de forças político que se faz em meio a uma “comunidade de espectros” das gerações passadas e futuras. E não em nome de um futuro pré-escrito por alguma teoria, mas por um futuro imprevisível, aberto. Nele, a justiça se inscreve como horizonte incalculável ao qual é possível estar atento, mas que nunca chega enquanto tal. E Bogéa continua, explicando que isso também significa que o trabalho de luto e de luta políticos nunca se encerram. “Há sempre uma hegemonia por-vir e um interminável trabalho de resistência e criação de possibilidades por fazer. Com – e contra – Marx e Hegel, a espectralidade impede que a história tenha “fim”, isto é, impede que a história tenha um sentido e uma direção únicos. A historicidade é múltipla e interminável – apesar de todos os projetos (alguns deles muito bem intencionados) de reduzi-la a um só”, completa. 

O tema, apesar de específico e complexo, encontra um público fiel, mais técnico, e um mais geral, que se sente atraído pelo que há de fascinante e inquietante nesses temas. Até porque “somos atravessados por uma sensação de ‘estranha familiaridade’”. Sobre a importância e necessidade de espaços culturais como o CCJF realizarem discussões com temáticas voltadas à psicanálise e à desconstrução, o professor da UERJ é enfático ao afirmar que sem arte, cultura e pensamento a vida seria inteiramente insuportável. “Ter espaços culturais como o CCJF promovendo esse tipo de disseminação — artística, cultural, pensante — é talvez o que haja de mais importante no mundo contemporâneo.”