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Notícia

Entre o som e o silêncio: o debate sobre o direito do povo de terreiro manifestar a fé

Publicado em:
05/12/2024
A imagem mostra um grupo de pessoas posando juntas em um ambiente elegante, com arquitetura clássica, incluindo colunas e detalhes decorativos nas paredes. Algumas pessoas vestem roupas brancas tradicionais e estão ao lado de tambores, sugerindo uma conexão com práticas culturais ou religiosas. Outras estão em trajes formais ou coloridos, sorrindo. Ao fundo, há janelas com vitrais e uma atmosfera de celebração ou cerimônia.
Palestrantes e representantes de grupos de matrizes africanas na Sala de Sessões do CCJF

Ontem e hoje (5 e 6 de dezembro), a Sala de Sessões do Centro Cultural Justiça Federal (CCJF) encheu-se de ancestralidade e espiritualidade. Entre o Som e o Silêncio: a  Lei e os Direitos do Povo de Terreiro, que reúne mesa de debate, manifestações religiosas, cine debate e grupos de trabalho, levanta uma importante discussão: como combater a intolerância religiosa e garantir, a partir dos obstáculos impostos pela sociedade, os direitos dos povos e comunidades de matrizes africanas manifestarem a fé. A iniciativa foi motivada após o Grupo de Trabalho Políticas Etnorraciais (GTPE-DPU) ser informado por lideranças de terreiro que o discurso da “poluição sonora” e da proteção do meio ambiente ecologicamente equilibrado vem sendo utilizado pelo Poder Público para violar o direito ao livre exercício dos cultos religiosos de matriz africana. Ogã Miguel, do Alabê Funfun, explica a importância das canções tocadas nos terreiros. Os instrumentos, como por exemplo, o atabaque, falam com os Orixás. “É o toque para nós, humanos, sabermos que está na hora de louvá-los. É ali a grande hora do orixá se manifestar”, ensina.

Segundo o GTPE, leis genéricas têm sido utilizadas em vários estados do Brasil para justificar apreensões de atabaques e repressão à realização de cultos das religiões de matrizes africana e afro-brasileiras, o que representa uma violação ao direito de liberdade de culto. Sobre o papel da polícia no esforço de acabar com a intolerância religiosa, Cláudia Otília, delegada da Polícia Civil especializada no combate à intolerância religiosa, afirma que é preciso um olhar sobre as instituições policiais voltado para a construção do diálogo, uma polícia que garanta participação social e que tenha condições de ser questionada, caso necessário. “Temos que ter maturidade profissional para ouvir um questionamento e assim construir um país que possa, de fato, ter pessoas exercendo a sua liberdade, seja de fé, seja a respeito da orientação sexual”, ressalta Cláudia, atualmente cedida para a Secretaria de Educação.

Ao comentar sobre o trabalho da Decradi — Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância, localizada no Centro do Rio de Janeiro —, ela destacou a importância da capacitação continuada de policiais, inclusive sobre temas ligados aos assuntos afetos à Decradi. “Temos uma geração de policiais que tiveram pouca ou nunca tiveram contato com essas questões. O curso que se faz quando se ingressa na polícia não dá conta de todas as temáticas. Começamos essa capacitação de forma pontual, porém algo riquíssimo. Muitas questões foram levantadas, como por exemplo a Lei do Silêncio, sempre com uma perspectiva equivocada. O policial, às vezes, tem um ponto de vista do que ele ouve dizer, e não uma visão profissional dentro da lei. Há também o desconhecimento da população em relação a questões relacionadas à intolerância religiosa”, pontua.

A partir do debate desse cenário de violação de direitos considerando o Decreto 6040/2007, que define os povos e comunidades tradicionais como grupos culturalmente diferenciados que possuem formas próprias de organização social e que ocupam e usam territórios e recursos naturais como condição para sua reprodução cultural, religiosa, ancestral e econômica, a ideia do evento, inclusive, é elaborar um documento com sugestões que garantam o direito à liberdade de culto.

No último dia 5, a abertura de Entre o Som e Silêncio contou com a participação de Simone Schreiber, diretora-geral do CCJF e desembargadora do Tribunal Regional Federal 2 (TRF2), Eloá Moraes, coordenadora da Coordenação-Geral de Políticas para Comunidades Tradicionais (MIR), Daniele Silva, coordenadora da Coordenadoria de Promoção da Equidade Racial da Defensoria Pública do Rio de Janeiro (COOPERA), Natália von Rondow, defensora pública federal (DPU), Ana Paula Mendes de Miranda, coordenadora do Ginga (UFF) e Ogã Miguel, do Alabê Funfun. Hoje, o evento conta com a participação de Thula Pires  (PUC), Mãe Nilce (RENAFRO) e representantes do Grupo Ginga (UFF).